02/03/2022

Profissional

 (poema feito em 2019)

Na arcada dentária 

Não tem dente de siso

Meu corpo sem juízo 

Não tem pé nem cabeça 


É vontade pura

É  nevoa ofegante 

É desejo guloso 

Amorfo 

Bom prestador de serviços 

adapta-se a clientela 


Meu sexo é vinho 

que escorre pelo canto dos lábios

 ao fartar a sede

Nele cabem todos os tamanhos

Todos os gozos 

E eventualmente os choros

(Oh pobre menino, o que ela te fez dessa vez?)


Psicóloga sem o mínimo de ética 

Meu colo é o divã dos caídos 

E minha terapia e pela fala 

(Esse fumo excessivo é evidente  fixacao oral, meu bem)


Os sinais da análise são atos falhos na cama

Se ele puxa meu cabelo

(É pela busca de algo verdadeiro 

Para se agarrar?)

Se empurra com força  contra meus quadris

(E por vontade de ser capaz de controlar algo de novo?)

Se entoa o gemido que não solta com ela

(Continua com ela por autopunição?)

Eu já sei o diagnóstico

O tratamento leva tempo, necessita de...

Internação. 


Ah, mas a sereia que canta também é encantada 

Hoje carrego preso a boca o anzol do teu desejo 

Que envergonha-me por expor que cedi a tentação 

Mas orgulha-me por indicar que(pelo menos)

Pescar e comer era sua intenção

(Espero que não frita

Mas bem assada)

28/08/2017

Morando de aluguel

Quando te fiz de minha morada
Fui avisada pelo inquilino
 dos defeitos do espaço
Que às vezes o disjuntor monofásico
não suportaria tanta energia
E eu teria que tomar banhos frios
Que chegaria o momento
 em que o gás não chegaria da rua
Então eu passaria fome
Que em dias de chuva
goteiras iam se espalhar
Molhando as páginas dos meus livros
Borrando suas dedicatórias
até se tornarem ilegíveis
E não me deixando dormir
E que, diziam as más línguas
Havia um fantasma preso nas paredes
que periodicamente
visitaria meu silêncio
...
Mesmo assim, assinei o contrato
Aceitei os móveis com cupim
E o sofá manchado por perversões
Coloquei minhas caixas e malas em um canto
E preparei um colchão para embalar meu sono
Acostumei-me a sapatear nos azulejos desencaixados
E a rir do som que fazem
Comecei a gostar do rangido da porta de entrada
Que me diz “volte logo” quando saio
E quando vi, ato falhei “minha casa” numa roda de conversa
...
Moro em ti tem umas semanas
Mas até hoje não descarreguei  totalmente as minhas coisas
Temo colocar meus porta-retratos
E o mofo consumir as fotos reveladas com parcimônia
E burocraticamente
tiro uma peça ou outra das caixas
Para ver como a casa se ajusta
...
Não posso chamar-te de lar
Nem chamar amigos e parentes para festejar em ti
Pois o nome que vem na conta de luz

Ainda não é o meu.

10/04/2017

Afetada

Uma ode às gravidezes imaginárias, vulgarmente chamadas de “paixão”, diariamente abortadas com chás de desilusão.

Afetada

Engoliu seu passado
E no seu ventre ele gestou
Cresceu cor de rosa
Bagunçando-a toda por dentro
Era o feto do amor que
Infelizmente teve
Que abortar

Aproveitando a hemorragia
Ela se deu ao luxo
De expor o lixo
Que tanto cegou sua miopia
Que tanto bloqueou sua aorta
Quando o amor saiu pela porta
E nunca mais voltou

Uma ode a quem pariu a morte
O natimorto no cigarro
anuncia sua sorte

E o gozo que sentiu?
Apenas na sua cabeça, apenas nela
Histérica e estéril

Afetada



24/03/2017

Existe um poema para cada pessoa

Existe um poema para cada pessoa
Isso não  se pode negar
Leio o poema e imagino certinho
A quem ele vai agradar

Se tem muita métrica
Obviamente alguém sério
Se fala de morte
Recomendo àqueles pra quem  esta
É uma visita amada que atrasa
Se fala de amor
Recomendo aos apaixonados
Esses tolos, que escrevem cartas
Mais tolas ainda
Se é filosófo
Recomendo Drummond
Para se perguntar o que é o homem

Mas apesar de dar poesia
Pra cada amigo, pra cada amante
O meu poema
Logo o meu
Eu não achei

Já desbravei as páginas
Mais amareladas
Das bibliotecas
Mais escuras
Procurei em inglês, português
E tentei traduzir o amor francês e italiano
Mas nenhuma poesia atravessou minha alma
A ponto de eu chamar de minha

E sigo procurando o poema
Que sonetamente vai me dar respostas
Talvez concretas, talvez modernas
Parodiadas de outros, ou apenas épicas

Sobre quem eu sou no mundo.

22/03/2017

642 coisas para escrever: 21, 61,83 e 91

21-A última vez que você chorou
Os ductos lacrimais estavam engarrafados pelo mar vermelho que se abrira no meu peito.
A decepção de ser uma parte sem um todo, e ter que ser todo, mas sozinha
A mágoa de perceber que não faz falta
Meus óculos agora eram parabrisas em chuva de verão
E eu me sentia mais só do que nunca, na rua quieta, correndo pra casa, torcendo pra que não vissem meu rosto molhado.

61- Escreva um jingle cativante para um serviço de encanamentos
“Não entre pelo cano,
 confie no Soprano
Conserta encanamento
Com o melhor atendimento”

83-Descreva o rosto de alguém que você ama+91-Escreva sob o ponto de vista de alguém que tem sinestesia.
Ela é uma pintura de Leonardo da Vinci jogada nos anos 90.
É a frequência nauseante de um azul neon
É o frio de um sorvete de mousse de limão
A pele dela é uma composição do Tchaikovsky
Seu olhar é o gosto de um vinho caro
Sua boca é um pêssego maduro
Ela é uma guitarra distorcida
É a páprica no ensopado

É o brilho no meio das trevas.
É uma figura de linguagem
É a linguagem como um todo
O rosto dela é arte
E eu sou apenas um fã.

19/03/2017

642 coisas para escrever: 5, 37 e 122

Passei um tempo sem escrever, e como não escrevia pro 642 coisas há um tempão, decidi escrever 3 textinhos hoje. Segue abaixo todos eles. Trapaceei e fui nos números aleatoriamente mesmo, Talvez um dia eu volte a escrever na ordem do desafio. Talvez.

Para ver a lista completa acesse :
 http://listography.com/brunamorgan/642_coisas_sobre_as_quais_escrever_/listinha

5- Você tem alguma superstição? Com o que? Por quê você a tem? E como lida com isso?

Thiago nunca dava menos de 3 batidas nas portas, 3 voltas nas chaves, ou tomava menos que 3 copos de água no bebedouro do escritório.
Three is a Magic number e ele levava sua superstição a sério.
Estava agora com sua terceira namorada, e primeira noiva.  Já tinha comprado o  anel(dividiu em 3 prestações), reservado a igreja( na terceira rua depois dá praça que se conheceram), e alugado o vestido (o terceiro mais caro.), quando um dia chegou em casa ela  havia feito as malas.
Disse que tinha conhecido outra pessoa, é que estava indo embora ser feliz, com alguém menos complicado.
E foi numa terça-feira que Thiago descobriu que, ás vezes, 3 é demais.


37-Descreva algo vermelho de qualquer maneira possível, sem usar a tal palavra.

Ela estava deitada no meu abraço, e enquanto falava, seu hálito quente fazia cócegas no meu peito.
A boca carnuda e luxoriosa, prometia delícias em seus tons quentes e úmidos.
O sangue circulou o bastante para pincelar as bochechas, a deixando com um aspecto envergonhado.
E os cabelos, tingidos de farmácia, eram chama, fazendo muito bem o papel de exteriorizar a alma dela.

Ela queimava, ela doía. E eu gostava.

122-Escreva uma música

Carousel- Melanie Martinez
https://www.youtube.com/watch?v=zAB5AC9yhY0&ab_channel=melaniemartinez

Alice via  ⁠⁠⁠o calor ondulava a cor e a forma dos carrinhos enferrujados a sua frente
O conteúdo de seu estômago brinca de pula-pula
A cada queda vertiginosa que sua trilha tomava
E berrou a alegria de morrer diversas vezes e continuar viva
O brinquedo terminou sua viagem
E saiu cambaleando, agarrando-se  na grade mais proxima
Como se fosse o estandarte de sua própria sanidade
E inebriada pelas  calorias vazias de um algodão doce
Pós pra fora a angústia senoidal dá roda gigante
Vomitando o almoço na boca de um palhaço sorridente
Ao olhar pra cima, se depara com um carrossel
Que brilhava dantesco no paraíso infantil
Imitando em sua dança circular, a vida cheia de altos e baixos de quem não sai do lugar
Alice esta bêbada e busca o caminho para casa
Estava já atrasada para o jantar apesar de não saber exatamente o quão atardada estava
Tinha quase certeza que a indicação era seguir a estrada de tijolos amarelos

28/01/2017

Insosso

As 6h30 toca o som estridente 
que desperta o autômato em pele de humano
Este levanta da cama 
com os olhos ainda grudados de remela 
e fuma um cigarro barato 
antes mesmo de escovar os dentes.

Rasga pedaços de pão francês do dia anterior
e os engole com leite pingado de café
 fazendo uma massa amarronzada surgir entre os dentes 
de uma boca que mastiga aberta.

Entra num enlatado poluente
ouve a orquestra urbana  
regida por motores e buzinas
 quando um acidente  de trânsito desorganiza
 a organização 
não-orgânica 
da selva de pedra

Bate ponto atrasado,
 assina relatórios sem ler,
 bebe café aguado 
demais

E humilha-se perante a voz esgarçada de um engravatado com terno italiano

17h, 
evita ir pra casa(pois lar não era)
 pois não quer enfrentar a solidão assim,
 tão meio sóbrio.

Vai beber borbulhas amargas 
em copos sujos
 e vê o mundo embaçado 
através do copo de chopp.
 No intervalo entre um copo e outro
 checa as redes sociais da ex
 buscando rosto que agora a da motivo para sorrir.

Para enevoar os pensamentos 
traga a toxidade do ultimo cigarro do maço
 e se dirige para casa.

Ao chegar, percebe que se esqueceu de pagar a luz.
Sem televisão, toma uma pílula para não se lembrar de sonhar

Sonhos doces são ilusões para quem vive apenas para ganhar salário.

07/01/2017

Verbo Haver no sentido de existir

Havia
o cheiro de tempero grudando na panela quente, de caldo borbulhando e de batatas assadas.
Havia
vapor inalado e suor maquiando o dorso
Havia
 o amarelo pincelando as paredes de luz e sombra
Haviam
 mosquitos que marcavam coceiras e mapas vermelhos nas coxas
Havia
  o som do vento, o barulho do guizo do brinquedo do gatinho da casa.
 Havia
um colchão velho e confortável abraçando a jovem de dedos tamborilantes e digitadores
Havia
 uma parede entre duas mulheres que se amavam e não conseguiam romper a corda que as amarrava, mesmo que esta estivesse apodrecida.
Havia
o ruído do ventilador a tapar os resmungos baixos porém raivosos
Havia
 uma zona abissal de erros exaustivamente mencionados
E haviam
 as palavras duras que as moldaram.

Há tempos a miopia dos olhos passou pra alma
Elas olhavam, mas não havia nada a ver.

22/10/2016

Crise

Ela perambula por ai 
com olhos manchados de insônia romantizada
Cheirando ao café que lhe piora a gastrite
Seu peito sendo um auditório                  abandonado 
que desesperadamente ecoa
                                   ecoa  a batida de seu ultimo espetáculo

Seus ossos fossilizam na cama 
enquanto as paredes  brancas  
(profanadas de
 frases a  lápis)
 são 
grades
 de uma prisão 
arquitetada 
que contestam  Sartre no que diz a 
                                                                   liberdade

Diz idealiza  a  utopia  
de um dia efetivar o que lhe foi tirado tão logo aprendeu a andar                  
                                                                                                          sozinha
O seu habitat é o limbo de uma espera
E esta  se torna mais l o n g a 
à medida que o dia da suposta liberdade se aproxima  
 e fala e fala e fala 
sem nada dizer num impulso nervoso  
que emudece 
e bota em cativeiro 
o que realmente sente

E o medo a afoga em oxigênio
Tendo o coração pesando molhado de água suja 
(como pano de chão)
Passa seus  dias  a  sentir o gosto forte de não ser boa pra nada
 (Exceto, 
é claro,
 em fazer mal para si mesma)

E se dorme demais aos fins de semana
É pelo único motivo de Morpheus ser o Thanatos reversível









21/09/2016

Onde  mora a estúpida morte?
No ultimo maço? Na ultima dose?
Na próxima esquina

Qual é a sensação de  apodrecer em vida?
Sentir os vermes roendo os ossos
E decompor-se em dores
Cujo remédio não pode pagar?

(o que pode pagar
É a cachaça
Que se não cura
Faz esquecer)

O corpo sacro lhe causou óbito
Começou na garganta, calando os sonhos.
Sonhos estes que afogou em noites em claro
Mas uma bebida quente não aqueceu seu corpo frio
Mas remédio nenhum calava a humilhação

A carne negra marcada não pelo chicote
Mas pela fome, pela doença, pela facada no bucho.
Que é o açoite, a herança de seus senhores
E de açúcar sua vida foi vazia
Diabetes social não permitia

Jaz  mais um sobrevivente
Ao pó voltou como diz a profecia.
E finalmente a terra prometida
Que tanto lutou ,que regou com suor
É a terra que o abraça quente
Como uma mãe (que nunca teve ) o abraçaria

O circo fúnebre de flores e padres
A maior piada é que sequer poderia ler a própria lápide
E a justiça ironica é que se finda na morte a desigualdade

Ao ter o mesmo fim que o rico que tudo lhe tirou


já era pó
muito antes do pó retornar.