09/09/2016

Dois beijinhos

Larissa estava em  mais uma festa, se servindo de outro corpo de um ponche forte demais, ouvindo a mesma playlist de hits da semana,  quando ele chegou acompanhado da namorada, a viu e sorriu.
“Fudeu” apareceu em neon na  sua telinha mental enquanto ele se aproximava.  Chacoalhou a cabeça para desembotar os olhos, as primeiras testemunhas de uma futura ressaca.
Ela, nascida e criada no Rio, dava dois beijinhos.  
Ele, paulistano, se reservava para um só, sem estalo.
Era óbvio que os costumes adquiridos desde a infância iam trai-la, e acidentalmente beijaria o canto da boca dele por mais tempo do que deveria, enquanto a namorada dele a encararia  como se quisesse transforma-la em uma estátua de pedra. Talvez ela quisesse mesmo.
 Envergonhada, fingiu que nada aconteceu  e igualmente ele  fingiu  que a relação havia se resumido a pequenas trocas de cumprimentos no corredor, e não o complexo compartilhamento de fluidos e gemidos que realmente fora. Ela ignorava os frames que sua mente teimava em passar, especialmente daquela vez em que num canto escuro de um condomínio, ela o surpreendeu se ajoelhando e abaixando o zíper dele...
Talvez seu “olá” tenha sido alto demais,  e sua saia comprida de menos, mas a namorada a olhava com cara de nojo. Parecia uma dessas meninas que, sabendo do vasto histórico do companheiro, ficam sempre em alertas, como um cão de caça de batom, esperando a próxima vadia que irá tirar seu príncipe delas.
Vadia, Larissa até aceitaria ser considerada. Mas conhecia demais o rapaz para atribuí-lo o título de “príncipe” sem dar uma risada de deboche.
O rapaz apresentou sua namorada, que tinha um nome tão comum que Larissa esqueceu dois segundos depois.  Com a boca ocupada demais pela fumaça do  cigarro que não tragava, a namoradinha não havia sequer lhe dado um “oi”. Ela estendeu o cigarro, oferecendo um trago, e Larissa se sentiu traidora dos pseudo cults (desses que acham que é preciso se matar pra saber escrever)  ao recusar, afirmando que havia parado.  O rapaz lhe deu um tapinha nas costas dizendo “isso ai, fumar faz mal” enquanto pegava o cigarro da namorada e dava um trago. Riram os três a vergonha do reencontro.
Dizem que quando nos deparamos com situações de risco, temos ou a reação de luta ou de fuga.  Larissa que nunca se  definiu como corajosa, resolveu se desvencilhar da sétima situação bizarra que tivera durante a semana. Buscava a forma menos constrangedora possível:
- Ah, eu vou ali no banheiro, bebi demais...
Obviamente, não atingiu o objetivo.
Correu para um banheiro vomitado e fedendo a maconha, onde tentava não pensar em todas as fodas homéricas que seu ex casinho e ela tiveram.
“Ele seguiu a vida, Larissa. E você ai, parada no tempo, buscando alguma coisa substancial e só tendo merda na sua vida. Lei da atração, Larissa. Semelhante atrai semelhante.”
O choro borrou levemente seu rímel. Respirando fundo, saiu do banheiro decidida a ser o que sempre fora: a divertida. A garota de one night stand. Aquela que todos adoram.
“E quem me ama?” perguntou pra si mesma, depois o segundo  shot de tequila.

Não sabia, Os humanos odeiam não saber. Larissa resolveu então ignorar o impulso questionador bebendo mais um shot.

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