29/12/2014

Doente (não é de amor, eu juro)

  A mera menção do teu nome fez minhas tripas entrarem em combustão espontânea.
Tentei controlar aquele mar de sentimentos que me dominou, mas então lembrei que de filha do Rei Tritão só tenho o nome. Incapaz de conter aquela maré revolta dentro de mim, tentei forçá-la para fora, o que só me causou vertigem.

   “O que há num simples nome?” Shakespeare se questionava sobre isso, falando sobre rosas, e era exatamente o que eu me questionava agora, talvez não de forma tão bela. Shakespeare também falava sobre como o fogo e a pólvora em um beijo se consomem, o que não foi legal de pensar, considerando a combustão espontânea e que esse trecho é de Romeu e Julieta e a historia deles não tem um final muito animador .

    Já não sei se sou fogo e você é a pólvora, só sei que a ordem dos fatores não altera o fato de que é explosivo e perigoso. E especialmente atraente. Entro no chuveiro, na tentativa de lavar minh'alma de seus vestígios e de apagar o fogo (super ambíguo) que esses pensamentos me trazem.

   Você me faz mal, e tal como um velho alcoólatra, eu quero mais uma dose. Quero me embriagar com doses de afeto, provar mil sabores e esquecer as tristezas. Ter riso fácil, fazer associações sem sentido e me aquecer no frio. O que eu quero é você.Mas o que preciso é de uma lobotomia.

20/12/2014

Sonhando acordada, para variar

Nota da escritora: Costumo escrever quando os sentimentos gritam para serem traduzidos em palavras. Durante esse período de um pouco mais de vinte ou trinta dias (não tenho noção cronológica nenhuma, isso é verdade) onde não postei nada aqui, eu juro tentei o máximo viver. Tentei o máximo não olhar para a janela, não me esconder atrás do vidro. Mas chega uma hora, numa madrugada qualquer, em que os sonhos se misturam e os desejos hollywoodianos começam a perturbar a mente. E os dedos dormentes pela dor enraizada da tendinite não têm outra escolha, senão escrever e escrever, nem que sejam idéias desconexas de um futuro ou um passado que nunca existiram. E isso aqui é a realidade falsa que criei para mim mesma.
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    E então beijaram- se até que faltasse ar, uniram-se até não haver mais espaço para preencher, e depois das carícias trocadas, deitaram-se anestesiados. Ambos se usaram e não consideraram algo ruim. 
    Ele abre uma cerveja e dá goles generosos. Ela encosta a cabeça no peito dele. Ele declara “Sou um romântico no século XXI”. Ela ri da poesia da frase.
     Ela sobe no peito dele e o encara. Ele pergunta se ela ainda o ama. Ela se assusta, pois sempre teve medo de dizer que sim. Ela o beija, e ele perdoa, pois ele sabe que ela nunca foi muito boa com sentimentos. 
     As pernas se entrelaçam e o riso fácil é potencializado pela bebida. Ele reclama da falta do cigarro e ela diz que está com fome.
     Decidem satisfazer a falta de seus vícios ao completar-se no calor que o outro emana. Ele - ela, ela - ele. Viram novamente uma criatura andrógena e completa. E os dois atores, pela primeira vez, não estão interpretando. E o quarto é o cenário dessa peça: tão clichê, tão rotineira, porém tão especial.

     E algo tão perfeito assim se dissipa, como a névoa desaparece quando surge o raio de sol pela manhã.


03/12/2014

Através da janela

    Se hoje eu sou narrador observador, a culpa é toda da miopia.

     Explico: por conta de meu problema de visão, descoberto aos oito anos, eu acostumei a ver o mundo através de uma janela. Acostumei-me a observar a vida atrás de um vidro, numa espécie de grade de segurança. A proteção das lentes é tamanha, que me sinto mais nua sem óculos do que sem roupa, pois sem lentes vejo o mundo como ele é, mesmo que seja numa versão abstrata.

    Os óculos (essa extensão corporal indesejada e necessária) causam o mesmo efeito que a janela causava em Rapunzel. Apesar de meu nome ser de outra princesa, identifico-me com a Rapunzel: nós duas vivemos aprisionadas na torre mais alta do castelo, e observamos o mundo, sem poder de fato viver nele.
   E de repente, o clímax: o príncipe grita “Jogue suas tranças!”. Mas ao contrário da princesa, eu dou de ombros: não tenho tranças, nem muito menos cabelo comprido. E nesse exato momento o príncipe se mostra sapo, e vai embora, ignorando que eu dizia que existia elevador.
  Foi até melhor, tento me dizer. Ele apenas subiria, e me faria rir mais que numa vida inteira. Faria eu me deleitar com os beijos mais carinhosos, e me inebriar com palavras doces, que se mostrariam falsas, assim que me abandonasse no dia seguinte e não voltasse nunca mais.


 É, é melhor apenas ver através da janela.